segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Menina

Ana Graziela Cabral

De quem é perfeição, velado ouro
Falo em versos confessos de espanto:
O poeta se esconde em mau agouro
Atribui elegia a todo canto.

Não me chore por falta de palavras
Não lamente a ausência do teu verbo
Nas fissuras da dor o tempo crava
Muita urgência em exaltar teu ego.

És chorosa garganta que lamenta
Ruidosa consciência que rumina
És poesia em face de menina.

Belo Horizonte, 12 de fevereiro de 2009.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009




As coisas e os lugares das coisas

Ana Graziela Cabral

No abrir da rosa, espanto
No fechar da porta o pranto

No outeiro aponta o cimo
No caule da planta, limo

Na varanda a chuva fina
No porão, penumbra prima

Na fogueira a cinza chama
No horizonte, linha plana

Na estrada, o passo impresso
No percurso vou (con vexo).

Raso é e raso, fundo é fundo
No viver, entorto o mundo
E não acho o meu lugar...


Patos de Minas, 08 de Janeiro de 2008

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009


A flor

Ana Graziela Cabral

Um dia o sol nasceu oblíquo
Tempo de chegar...

Meu verde ficou cinza
Meu céu mudou de cor

E a flor, a flor não estava lá...

Mas procurei noutro lugar
Por trás do vento...
Sob as cinzas

A flor, a flor não estava lá...

Pequei a pena, a folha fina
Sentei serena ao luar
Atrás do cinza do grafite

Achei a flor, estava lá...

Patos de Minas, 07 de janeiro de 2008


No tempo de partir

Ana Graziela Cabral

No tempo de partir senti saudade
Senti conforto no tempo de partir

No tempo de partir senti silêncio
Disse adeus no tempo de partir

No tempo de partir senti tristeza
De alegria sorri, sorri...

No tempo de partir.


Patos de Minas, 07 de janeiro de 2008.
Sonhar

Ana Graziela Cabral


Sonhar que o vento arrasta o tempo
E o temor afasta a morte
E o clamor atrai a sorte

Sonhar que a calma acalma a alma
E que escrever preenche a falta
E que chorar reduz o trauma

Sonhar que a chuva será breve
Que o inverno será leve
Mas sonhar, sempre sonhar...

Patos de Minas, 07 de janeiro de 2008 (CPD UNIPAM, Despedida)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Minha poesia inerte


Ana Graziela Cabral

O desassossego dos vivos me incomoda
Quebra o silêncio da minha lápide
Rompe a poesia estática da minha inércia
E enquanto eles correm insanos
Ensaio meu passo fúnebre.
O canto do galo desperta meu olhar cansado
Mas o canto fino e triste da cigarra
Puxa o fio que prende o manto escuro de Deus.
A noite cai pesada como o tecido do manto
Na sensação mais plena de morte que já experimentei.

Patos de Minas, 26 de novembro de 2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Tempo ido




Ana Graziela Cabral




Na transitoriedade do tempo
Na relatividade das coisas
Tudo muda...

E na velocidade do vento
Se vão arraigadas as folhas
Lamurias...

Mas mesmo que a noite se faça
Mesmo que a chuva não caia
Mesmo que a flor não renasça

Na folha branca do meu tempo ido
Depois de anos que eu houver partido
Existirão resquícios dos teus passos.

Patos de Minas, 29 de agosto de 2008

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Moedas na calçada




Ana Graziela Cabral

As voltas do tempo fazem com que não mais existam certos lugarezinhos onde o povo e suas questões são as mesmas, onde ano após ano os bananais se curvam ao peso de seus cachos dourados, onde singelas cerquinhas de bambo rodeiam casebres como se os pudesse proteger de sua fragilidade. Ou quem sabe existam ainda e o que não haja mais seja o doce olhar que em outros tempos eu dirigia a eles.
Não sei! Apenas o que sei é que quando retorno ao Capivari Macedos encontro a casinha branca de portais azuis fechada, e o jardim à frente órfão dos roseirais que nos pareciam convidar a entrar. Quando paro em frente à casinha, deixo que meu pensamento entre e encontre na parede o retrato oval do casamento de vovô e vovó, retrato sério, como se o riso estivesse ainda por ser inventado.
Com medo de encontrar vovô recostado no velho sofá da sala, ávido por contar novo causo como sempre o fazia, o meu pensamento recua. Talvez não mais eu sirva para ouvir as histórias de antes que tanto bem me faziam. Pela fresta da janela da cozinha o pensamento sai ligeiro, atingindo o quintal e ali pareço ver ainda mais nítida a figura de vovô ao ralhar comigo enquanto eu, fascinada, tentava arrancar as antigas moedas que ele criativamente incrustara na calçada. Vovô não sabia do imenso desejo que eu tinha de levá-las comigo, ou talvez porque o soubesse, ralhava alto mandando que eu fosse brincar na praça da igreja, na verdade, a única do povoado, rodeada por suas cinco ou seis ruazinhas de terra batida.
Como eu fugia outrora também fugiu meu pensamento, escapando pelo portãozinho e subindo à direita a rua pedregosa, coberta de poços d’água de chuva recente. Fui andando bem devagarzinho e a certo ponto eu sabia que não mais queria subir. Sabia que, mais alguns passos, eu alcançaria o cemitério da Filosofia. Pensei, então, porque não poderia ele chamar-se cemitério da saudade, se é que se sente saudade do que sequer se conheceu.
Ao fim desse pensamento, notei que eu já havia transposto o portão e vendo os túmulos singelos (tais como o povo do lugar), levantei o olhar para mais uma vez contemplar a Flamboyant frondosa que sombreava o túmulo de vovó. Agora não pararia mais! Caminhei sentindo a terra fofa e úmida entrar em minhas sandálias até alcançar o túmulo. Estendendo a mão, arranquei a ponta de um galho de Flamboyant, que por ser outubro estendia gentilmente as rubras flores sobre o túmulo. Por algum tempo me demorei namorando o sangüíneo das flores da árvore e estranhamente senti ainda mais saudade da vovó. Ainda que ela tenha morrido antes mesmo do meu nascimento, as histórias que me foram contadas sobre sua singular bondade exerceram sempre um enorme fascínio sobre mim.
Afugentando as lembranças, me inclinei lentamente para colocar o galho da árvore sobre o túmulo e, em choque, recuei. Na lápide ao lado do nome de vovó, estava também o de vovô. Numa oração silenciosa tornei ao portão do cemitério da Filosofia. Chorei baixinho enquanto subia a alameda que levava ao fim do arraial. Agora eu sabia que não deveria nunca mais voltar. Descobri que não mais queria as tão cobiçadas moedas soldadas na calçada de vovô, pois ele não estaria mais lá para brigar comigo, enquanto moldava a palha entre os dedos tortos para arquitetar o costumeiro pito de palha. Talvez por isso não existam mais esses lugarezinhos em que o tempo não passa, porque a vida nos tira os motivos de voltar a eles.
Patos de Minas, 27 de outubro de 2007

Faceta de aurora mulher


Ana Graziela Cabral


Sinos soam em toadas tênues
Espalhando vôo e ruflar de asas
Quebrou-se o silêncio das torres solenes
Ouviu-se os cânticos dos corais de fadas.
Profanação da fé dos que não crêem
Que além da morte a vida se refaz
Na inquisição eterna dos que já não tem
Respeito à nova crença que se faz.
Oh, medo, não me faça desistir dos céus
Mesmo que o inferno dure um pouco mais
Me queimo na esperança de não me perder
Sonhando que tais chamas não me envolvam mais.
Oh, vidas que após vividas se sucederão
Lhes peço que ao menos me tragam um pouco de paz
A morte eterna aguardo com sofreguidão
Matando comigo as perguntas que minha alma faz.
Um dia estática pluma serei a jazer
No bosque de outra faceta de aurora mulher
Jamais sentirei denso pranto no rosto correr
Não mais tão pungente rancor ira me corroer.

João Pinheiro, 04 de Março de 2007.

Fado profano




Ana Graziela Cabral

Um roto sentimento humano
Como fosse fada
De fado profano

Um grito sedento buscando
Quem poça lhe ouvir
O distúrbio insano

Um sino de soar soturno
Que me empurra ao pranto
Com uma vela em punho

Um beijo em desejo envolto
Transpirando sonhos
De um anjo impuro

Cabelos soltos e revoltos
Ao tocar do vento
Que sai dos teus punhos

Espanco-me em pensamentos
Queimo-me em incensos
Calo-me em murmúrios.

João Pinheiro, 27 de maio de 2007.

Menina dos olhos tristes




Risco a folha...
Mas o risco maior não é este
Maior risco é que eu deixe
Na folha a brancura de antes.

Perigo maior que os meus riscos
É que neles não seja vista
A menina dos olhos tristes
Que sorri por ser menina.

Maior infortúnio seria
Que no leite da folha fria
Se ofuscassem as faces translúcidas
Da menina que sorria.

Por isso meus riscos rabisco
Tentando prender na folha
Esse perene sorriso
Da menina que me olha.

Faz-me medo, oh! menina
Mas sem ti me falta a vida
Vida esta que escrevo
Nas folhas da nossa sina.

João Pinheiro, 27 de maio de 2007.

Morte


Ana Graziela Cabral

A vida é um trôpego caminhar pelas fronteiras da morte. Marchamos de olhos fechados, sem destino até que caímos nalgum precipício e descobrimos que o mais grave que nos aconteceu foi abrirmos os olhos. O único mistério da existência humana é o véu que ostentamos sobre o olhar. Deposto este, já não há incompreensão alguma. Não há frio, não há fome, não há medo... não há matéria que possa manifestar seus sentidos ou influir sobre o ser.
Após nascermos para a morte, apenas nos restará ser o que somos; projetar o reflexo do que fomos noutra vida qualquer. Se prontos estivermos, tornaremo-nos ourives para os que se ofertam para serem moldados, entalhados. E para tal, valeremo-nos dos moldes do Ourives Mestre, tendo plena certeza de que optamos pela medida perfeita.
Aos que aguardam ser torneados, cabe o livre arbítrio de optarem pelo campo no qual desejam florir. Mérito esse que nem às cerejeiras, aos Ipês ou às orquídeas foi dado pelo Onipotente. Frondosas raízes só sustentam trocos dos que são guiados pela fé. A esses não se manifesta o temor, nem diante do mar em fúria, da fera acuada, do calor de trepidantes chamas. De grande fé se faz o amor, tal como, com um grande amor edifica-se a fé. Átomo este que, de tão indivisível, desaparece ao mais frágil sinal de discórdia.
Contraditório dizer que a junção dos mais tenazes sentimentos se torna ao mesmo tempo a mais sólida e mais delicada de todas que se tem notícia. Isso porque amor e fé transpõem outeiros, porém podem ser rompidos pelo mais ínfimo fio de rancor.
Estejamos, portanto, em guarda constante, para que nossa humana fraqueza não nos tire o deleite de contemplar os verdadeiros vãos da morte, posto que morrer é desvendar mistérios de uma vida inteira!

João Pinheiro, Janeiro de 2007

Morte em vida







Ana Graziela Cabral

Tem dias em que choro por nada e por tudo... sofro tudo de uma vez, para poder acordar e sorrir no dia seguinte na certeza de que as lágrimas secaram, ao menos por um tempo. Não aconteceu nada de espetacular hoje, nenhuma tragédia, nenhum infortúnio. Apenas abri mais uma vez os olhos à realidade de que “tem um anjo triste perto de mim”, como dizia Renato Russo. Mas isso é hoje, só hoje. Por isso, não se preocupe comigo, afinal, parafraseando mais uma vez o ídolo “quando tudo está perdido, sempre existe um caminho. Quando tudo está perdido, sempre existe uma luz”.
Às vezes eu abro os olhos e sinto que eles ainda estão fechados, como se um véu cobrisse uma verdade para a qual eu ainda não estou preparada. Como se eu estivesse trancafiada em uma redoma de vidro, que me traz uma ilusória segurança, uma falsa sensação de tranquilidade. Mas eu sei, bem lá no fundo eu sei, que o vidro que me cerca é o mal que me inibe, e não uma entidade benéfica que me protege. E isso sim, me dá medo. Isso me congela e paralisa. Não á a morte que assusta, mas o morrer em vida. Meu medo é passar pela vida, passar a vida, a vida passar. Porque a morte, essa que passe; afinal a morte é uma passagem, único mal irremediável. (Mal?) Certeza certa de algo incerto que nunca vivi. (Ou terei vivido?) Mas será possível viver a morte? Não sei! Só sei que o que mais se vive é morrer a vida, em vida.
Escrevo agora chorando. Meu coração aos pulos, pergunta-me porque escrever tudo isso. E eu só sei que não sei porque. É estranho pensar que a única coisa que espero de outra pessoa é que ela me ouça, me dê atenção. Eu nada mais peço. Acho que é por isso que tenho tão poucos grandes amigos, mas os que tenho são sim, grandes, imensos. Porque só o que eu peço é que me ouçam e não me critiquem por isso. E são raras, raríssimas as almas que se abrem a ouvir. Todos só querem falar. E isso machuca, desgasta. A confusão de vozes se aglomera no meu peito, se funde a minha própria voz e eu já não sei até onde sou eu.
Tenho um vazio dentro de mim, irreconstituível, que se alarga, aprofunda e enegrece um pouco a cada dia. Meu anjo me deixou órfã de seus conselhos, de seu sorriso. Hoje sou triste porque sei que quando eu voltar de férias ele não vai estar mais me esperando. E que quando eu novamente partir, ela não vai comigo até a rodoviária me ajudar a colocar as malas no ônibus (como tantas vezes o fez). E não mais irá dizer: “Se cuida!”, como se eu não soubesse que ela iria comigo aonde quer que eu fosse, cuidando de mim.
E é isso, a vida é uma porção de injustiças que nos movem e impulsionam até a hora da morte, na esperança de que finalmente a perfeição tão fortemente buscada se efetive; na esperança de que a dor não seja sentida e de que a saudade não exista mais. A vida ou as vidas, sejam elas quantas forem, só tem um sentido, um intuito imprescindível: nos mostrar os caminhos que para sempre seguiremos, nos galgar com os princípios que para sempre ostentaremos e nos unir a espíritos que para sempre amaremos. Sendo assim, guie Deus, os meus caminhos, presenteie-me com vossos princípios e ilumine minhas almas gêmeas por todo o sempre.
Sei que há luzes que iluminam os meus caminhos, e esses são sinais de que vivo, morrendo um pouco a cada dia, mas que não estou morta em vida, como temo.
Assim como as lágrimas, morrerei um dia, para que acorde e sinta que não morrerei nunca mais.

João Pinheiro, 15 de janeiro de 2007.

O tempo da minha felicidade


Ana Graziela Cabral

Houve um tempo, há muitos anos atrás, em que fui feliz. Minha vida passava por mim com uma irresponsabilidade insana. E eu, absorta em mim mesma, não conseguia perceber a felicidade que era minha.
Foi um tempo em que o relógio era apenas um objeto estranho que eu não conseguia compreender. Um tempo em que o dinheiro nada mais era, que um bônus, um agrado que o papai me dava raramente para comprar um doce. Tempo em que eu chorava por manha, certa de que o colo logo viria, com afagos de mãe para me consolar.
No tempo que foi meu, eu brincava com a terra e andava a cavalo queimando do sol. À noite, eu contava estrelas e via o vôo sereno dos aviões que deslizavam sublimes no céu. E aquilo para mim era felicidade; mas eu não sabia. Só descobri quando perdi essas pequenas grandes coisas.
Hoje vivo um tempo que não é meu, e sinto que junto com o meu tempo levaram, também, meu sorriso, minha alegria, meu amor. Mais que isso, levaram meu céu, minhas estrelas, e os carinhos de meu consolo. Vivo hoje um tempo forjado, usurpado.
No tempo que perdi, amei alguém que eu mal sabia que amava tanto. E com o tempo que perdi, se foi também o alguém que eu amava, e em seu lugar ficou o pranto, que hoje amarga e me faz ter certeza de que meu tempo acabou.
Do tempo que se foi o que mais me dói é a lembrança desse amor que amei como fosse o último, o único a que eu pudesse amar. E mais, me dói saber que ainda não o amei o suficiente, e que mesmo ainda o amando como eu o amo, não há mais tempo, já que o tempo de minha felicidade passou.
Que egoísta o tempo, por levar consigo tudo o que possuí, mas não me levar contigo. Deixou-me aqui, vazia, mas tão cheia de mim mesma; com tantos por perto, mas sozinha, em meio à vastidão do meu ser. Sórdido tempo, que continua passando, mas já não traz mais nada e me deixa a sós com o meu pior inimigo: comigo.

Patos de Minas, outubro de 2006

Ombros dos meus dias


Ana Graziela Cabral


Terno olhar que me constrange
Não se prenda nos meus zelos
Pois nos ombros dos meus dias
Sempre pousam nevoeiros

Se quiseres me amar
Peço, faça-o em segredo
Pois se vejo, me intimido
De amar-te tenho medo

Não me chames covardia
Não me julgue por meus erros
Sou resquícios de outros dias
Impotente mão sem dedos

Em medíocres ninharias
Consumi todo o desejo
Com que não o merecia
Oh, larápio tão sobejo!

Não exijas meus carinhos
Não me faça seu brinquedo
As manhãs dos meus sorrisos
Foram embora em outros beijos.

Patos de Minas, 10 de agosto de 2007.

Olhos do moreno




Ana Graziela Cabral

Queria ser pó, e só
Quem sabe ser de fé, maré
Correr de encontro ao mar, luar
Tingir esse arrebol de sol.

Mas Deus me fez mulher e assim
Sorriso se extinguiu de mim
Fugiu nos olhos do moreno
Que um dia disse adeus pra mim.

Patos de Minas / João Pinheiro, 25 de agosto de 2007.

Pepitas de espanto


Ana Graziela Cabral

Em finas camadas de luzes prateadas
Cascateiam orvalhos de mil madrugadas.

Em cantos de galos, soldados do sol
Salpica um farol ferindo jornadas.

Em sonos de moças que quedam dormindo
A lua via rindo noturnas estradas

Dos olhos de pedra do poeta que canta
Pepitas de espanto palpitam cansadas.

Patos de Minas / João Pinheiro, 25 de agosto de 2007.

Púrpuras Pétalas de Ipê


Nos bosques que passo, vislumbro aturdida
Ramagens nos pastos tórridas, sem vida...
Mas ergo meus olhos e me encho de fé
Ao ver feito agulhas os brotos de folhas
Surgindo de inóspitos troncos de árvores noivas
Que antes foram púrpuras pétalas de ipê.

Vejo-me encardida da poeira dos anos
Como a folha ressequida, de infecundos gomos
Vertendo sua vida na morte do outono.

E folha que sou não me esvaio sozinha
Pois levo a poeira nos sulcos e linhas
Que outrora encardiu-me nos verões de outras sinas.

Padeço tão pálida aos olhos da lua
Trepido nos silvos de ventos, flâmulas
Esperando as gotas que em coro me arrastem
No pesado silêncio de uma noite de chuvas
Que far-me-ão humos de farturas parcas
Sobre o esquecimento de pesadas tumbas.

Patos de Minas / João Pinheiro, 25 de agosto de 2007.

Ser infecundo


Ana Graziela Cabral

Tão triste é ver fugindo esse meu tempo
Que meu se faz apenas num segundo
E após passado passa a ser tormento

Doído é ser meu menos o meu mundo
Fugindo nas fragrâncias más do vento
Cavando em mim vazios mais profundos

Pior é me perder no fingimento
De ser sem ser ninguém, ser infecundo
Estrela que caiu do firmamento

Em torno do meu eu então, circundo
Abutre encolerizado e sedento
E ao achar-me fracasso nauseabundo.

João Pinheiro, 15 de julho de 2007.

Tempestade



Ana Graziela Cabral

Minha mãe garoa em meu colo, inerme...
(Meu pai relampeja aos meus olhos, intrépido)

Minha mãe inunda de prazer meu canto...
(Meu pai ofusca meu olhar com pranto)

Minha mãe alaga-me com seus cuidados...
(Meu pai ancora-me em seu condado)

Minha mãe me embala em suas águas mansas...
(Meu pai me castra com suas nuanças)

Minha mãe são flores no meu jardim...
(Meu pai o remorso que jaz em mim)

Pra minha mãe chuva, eu sou fina flor...
(Pro meu pai relâmpago, doentio amor)

Minha mãe, sou eu ave...
(Meu pai, eu lápide)

Eu sou a torrente de um nada inerte
Sem tempestade!

João Pinheiro, 07 de abril de 2007.

Tenacidade


Ana Graziela Cabral

Parece que fiz tudo errado!
Mas o que meu tudo é tão pouco
Que nem errei tanto assim.

Olho para traz, vejo rastros...
Pegadas que marcaram os caminhos dos outros
E o meu caminho marcado por pés alheios.

Às vezes caminho de volta,
Só para encontrar a criança que fui
E a vejo ali, escondida na sombra da rigidez de meu pai

Eu queria poder pegar aquela criança,
Sacudi-la e dizer:
- Para com isso!
Mas eu sei que marcaria os seus braços
Com a tenacidade dos meus dedos.

Então, deixo-a caminhar insegura
Sentindo meu olhar que observa
Até que mais uma vez ela chegue a mim
E volte a ser irremediavelmente eu.


Patos de minas, 03 de agosto de 2008.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Maçãs da minha desesperança


Ana Graziela Cabral

Hoje...

Hoje são claras as manhãs dos meus dias turvos
São perfumados os ipês dos meus campos fétidos
Sãos verdes as maçãs da minha desesperança
São cristalinas as águas dos lamaçais de meus medos.

Hoje minha vida é mais tranqüila em todo o seu caos
Minhas lembranças torturam menos meu ser insano
Meras saudades são o que restam de amores mortos
Ritos pagãos eu exorcizei do coração profano.

[Ontem]:

Ontem se foi, levando consigo o eu que eu era
Calando os silêncios do que eu nunca disse em gritos coléricos
Cortando as asas dos meus rasos vôos em longas quimeras
Secando as lágrimas que em correnteza levam meu corpo inerte

Amanhã?

Amanhã são só brumas, nuvens escuras, imprecisos borrões
Imóvel, estático, inalterável fruto do ontem que eu fui
Estalactites pingados, nos poros do meu peito pântano
Para sempre crivados, entre o meu presente e futuro pranto.

João Pinheiro, 07 de abril de 2007.

Lacunas dos meus versos


Ana Graziela Cabral

O poeta por vezes se pergunta como consome seus dias. E respondendo a seu próprio inquérito, assume que vive a ceifar vocábulos como quem colhe a espiga e dela o grão, vive a rasgar os veios da terra e dos vincos e sulcos tira um talho bruto de metal, que lhe pesa mais que a própria vida. Então porque culpas o poeta por seus preciosismos deveras inúteis? Não sabes que o que a ti parece forçoso e artificial a ele chega como aves em revoada na fuga do inverno? Acaso não vês que os versos do poeta são a expurgação da cancrogênita dúvida da vida? E ainda assim, calunias com parcas palavras quem pecou apenas por saber dizer o mundo de um olhar inédito, como fosse a águia narrar indizíveis vôos só por ela vistos.
Por teu julgamento, e apenas por ele, eu não sou poeta. Não quero que meça as minhas palavras em planos cartesianos, ou as estirpe fibra a fibra para ver-lhes a sanguínea essência. Não quero que apontes o dedo para minha obra, pois não tens o direito de julgar o que não contemplaste. A mim cabe ver e narrar o que vi (o olhar é meu, não se engane), a ti somente cabe contemplar o narrado, imaginando-o a tua forma, recriando-o, talvez. Mas ciente de que a primazia do olhar foi minha.
Ainda por ti, e orgulhe-se disso, me oculto em metamorfose de lagarta, mas por tua, e tão somente tua culpa, não floresço em borboleta. Caminho sozinha no silêncio das minhas palavras, que recito a cada mudo olhar, para que meu ego as ouça soar e creia nelas. E como a camponesa que sente afoguear as faces diante de cortejos ousados, enrubesço-me com os assanhados versinhos que fervem em mim, horrorizada em imaginá-los livres, contando-me a todos.
Não perderei meu fôlego lançando farpas contra tuas estatísticas infundadas. Apenas derrubo teus números por terra, no silêncio da minha poesia. E sabe-se perdedor, por não poder comprar com teu ouro as minhas minas. Não tens meu olhar e sabes disso. Apenas aquieta-te e conforma-te em ver o mundo que lhe anuncio, pois é apenas ele que poderás medir. És infértil criador, analisas universos alheios pela incapacidade de criar os seus próprios. Mas o faço para ti, descanse. Desde que se ocupe apenas em mirar o cosmo, sem tentar risca-lo com teu lápis. Afogue-se em sua mediocridade, guardando para ti as tuas críticas. Elas não são bem vindas na incompletude de meus versos. Se os quisesse perfeitos e exatos, faria contas ou equações. Por querer-lhes falhos e lacunosos, faço versos.


11 de janeiro de 2008

Machuca


Ana Graziela Cabral


Rasga-me a paz esse pulsar latente
Como o expurgar de um ferimento em chamas
Sobe a garganta, espasmos loucos, soluços veementes
Sem piedade, a consciência meu coração espanca

Mas sinto e calo, mordo os lábios, sufoco a torrente
Condenso as mágoas, pressiono os calos, aperto as correntes
Verto em espasmos e atiro ainda as palavras quentes
Que machucam e ferem a folha branca a minha frente

De mim me esvaio, gota de orvalho que o sol machuca
Brisa sem brumas, mar sem espumas, farpas em dunas
Morro em meus versos, mórbidos vermes incandescentes
Que me devoram em meu inferno de ser, somente

Não sou mais vida, sou só meu verbo que estupra e suja
A folha virgem que converteu-se em bandeja imunda
Nela decepo as minhas fibras, e uma a uma
Vão desenhando com tons sanguíneos, funesta urna.


João Pinheiro, 05 de Maio de 2007

segunda-feira, 4 de agosto de 2008


"Por tempos vivi à sombra autoritária dos ombros de meu pai. Hoje com saudosa distância, sinto que a sombra era apenas um óculos escuros com proteçao UV"


Graziela Cabral

Guardei em lenço as lágrimas no bolso





Ana Graziela Cabral

Em noites de silêncio enluarado
Parece-me mais frio o calabouço
Pois gélidas saudades me namoram
Lembranças que guardei daquele moço

Furiosas fitas de um vento gelado
Parecem me arrebatar ao arcabouço
De arquétipos angelicais que choram
Velando as canções que agora ouço

E nada mais deixou-me por legado
Que breves alegrias em esboço
E mãos mais hábeis, olhos que choraram
Guardando em lenço as lágrimas no bolso

Não voltas? Uma pena, pois te digo:
Sei muito mais que antes meu amigo.
Canções, perfumes, lábios no pescoço...
Poderia eu causar até ciúmes
Na leve brisa que te beija o rosto

Se voltas, te prometo, há perigo!
Pois tramo com o vento o teu castigo
Por notas musicais e aromas finos
Eu ei de aprisionar em mim teu rosto
E com meus lábios sufocar teu riso


Patos de minas, 03 de agosto de 2008.

quinta-feira, 31 de julho de 2008




"Sei que perdi tantas coisas que não podeira contá-las, e que essas perdas agora são o que é meu."




Jorge Luís Borges

Painas da roda d'água


Ana Graziela Cabral

Eram meados dos ventos de agosto, numa manhã em que, junto a papai, sai na velha Ford Rural azul e branca que tanta saudade me faz. Subimos a curva da poeirenta estradinha e seguimos o vôo dos papagaios até à vereda em que havia estragado novamente a roda d’água que mantinha os reservatórios do gado. No caminho, silêncio e só. Éramos ainda, papai e eu, dois imãs de polaridades iguais que, inconscientemente se repeliam. E nunca me doía tanto o silêncio como quando eu estava perto dele.
Chegamos e, menina que eu era, desci correndo, sonhando com os galhos da paineira que se debruçavam sob o curso d’água, mesmo sabendo que, com seu olhar castrador, papai não me permitiria subí-los. No fundo eu não me entristecia, por saber que isso era puro ciúme da parte de papai, receoso que o colo dos galhos da imensa árvore me pudesse agradar mais que o seu raro colo paterno.
Debrucei-me frente ao pequenino lago que se formava sob a queda das águas da roda e molhando-me da chuva de gotículas cristalinas, embriaguei-me com o estonteante cenário que se compunha a meu redor. Enquanto namorava as piabinhas que deslizavam no cristal da água, papai avisou-me com um gesto que subiria à nascente para retirar as folhas que se acumulavam e impediam o fluxo ligeiro da corrente.
Quando a sombra de papai subiu a colina, irradiou meu dia, e percebi finalmente que chegara a hora de crescer. Olhando para a água que aumentava a cada volta da roda, comecei a contar as pedrinhas coloridas que os raios de sol iluminavam no fundo límpido do poço. Mas, como um punhal que me feria as fibras, vi escorrer do rego d’água uma lama barrenta e viscosa que ocultou as pedrinhas que eu contava. Fora papai! Maculou novamente meu sorriso e me deixou apenas a frenética roda girando em meus pensamentos.
Ferida, senti que não poderia mais olhar a água como se saísse de minhas próprias veias o líquido que deslizava na roda. Fechei os olhos e, deitada na grama, ouvi as frias batidas das canaletas da máquina. Só então entendi que não somente eu sentia as dores do tempo, mas também tudo o que estava ali. Abrindo os olhos vi a roda de aço extraído aos rasgos dos veios da terra, e notei que seu rangido era o mesmo choro que o meu. A água impura que descia se lamentando trazia consigo as folhas e galhos de um outono intenso e, batendo nas canaletas de aço impulsionavam o choro da roda. Lama, folhas, galhos e roda me mostraram o quanto doía crescer.
Contorcendo a face de tristura, senti cair do rosto a lágrima que seguiu o caminho do lago. Sorrateira, a lágrima triste sorriu-me, refletindo meu rosto no espelho da água, que não mais estava turva. De espanto sorri ainda mais, ao ver uma chuva de painas que planavam e caiam sobre a minha vida. Olhando para o céu vi que papai estava nos galhos da paineira e, balançando-os, fazia as painas em peso cairem como fitas no chão. Com um aceno, dois, um de papai e um da árvore, chamaram-me para subir nos galhos que me fariam crescer. E naquele momento eu soube que tudo acabaria bem, e que, com o seu costumeiro silêncio, papai me dizia que eu sempre cresceria na direção dos galhos de neve da minha paineira.


Patos de Minas, 29 de setembro de 2007

"A ostra cria a pérola para distrair-se do mar.

O poeta cira a beleza para distrair-se do efêmero.

Só Deus cria a rosa para distraír-se do eterno".

Altino Caixeta de Castro


Uma fada surgiu essa noite


Ana Graziela Cabral

Uma fada veio voando nas costas das mãos da noite e apagou meu dia.
A fada planou suave na negra brisa do eterno e desapareceu no céu.
A mão que trazia a fada em suas costas se abriu,
Deixando cair uma lua cheia de prata na face da noite
Um anjo de finos cachinhos de ouro pendidos
Passou fugindo de medo dos risos do vento
E enquanto corria espalhava nos cantos do escuro
Gotas de estrelas luzentes caídas do olhar
Solene, se foi minha noite nos cantos dos galos
Efêmeras, secaram-se as estrelas dos olhos do anjo
Com os cantos dos galos nasceram os raios de sol
Que unidos subiram em prece para o meio do céu
Ninguém como eu soube ver o anjo a chorar
Tampouco vislumbrar os raios dos cantos dos galos
Pois só para mim uma fada surgiu essa noite
Matando no escuro o silêncio da dor que eu sentia
João Pinheiro, 13 de setembro de 2007.



"A estranhesa de um sonho pode ser tanta que nos parece que um outro sujeito vem sonhar por nós"




Gaston Bachelard