terça-feira, 26 de agosto de 2008

Lacunas dos meus versos


Ana Graziela Cabral

O poeta por vezes se pergunta como consome seus dias. E respondendo a seu próprio inquérito, assume que vive a ceifar vocábulos como quem colhe a espiga e dela o grão, vive a rasgar os veios da terra e dos vincos e sulcos tira um talho bruto de metal, que lhe pesa mais que a própria vida. Então porque culpas o poeta por seus preciosismos deveras inúteis? Não sabes que o que a ti parece forçoso e artificial a ele chega como aves em revoada na fuga do inverno? Acaso não vês que os versos do poeta são a expurgação da cancrogênita dúvida da vida? E ainda assim, calunias com parcas palavras quem pecou apenas por saber dizer o mundo de um olhar inédito, como fosse a águia narrar indizíveis vôos só por ela vistos.
Por teu julgamento, e apenas por ele, eu não sou poeta. Não quero que meça as minhas palavras em planos cartesianos, ou as estirpe fibra a fibra para ver-lhes a sanguínea essência. Não quero que apontes o dedo para minha obra, pois não tens o direito de julgar o que não contemplaste. A mim cabe ver e narrar o que vi (o olhar é meu, não se engane), a ti somente cabe contemplar o narrado, imaginando-o a tua forma, recriando-o, talvez. Mas ciente de que a primazia do olhar foi minha.
Ainda por ti, e orgulhe-se disso, me oculto em metamorfose de lagarta, mas por tua, e tão somente tua culpa, não floresço em borboleta. Caminho sozinha no silêncio das minhas palavras, que recito a cada mudo olhar, para que meu ego as ouça soar e creia nelas. E como a camponesa que sente afoguear as faces diante de cortejos ousados, enrubesço-me com os assanhados versinhos que fervem em mim, horrorizada em imaginá-los livres, contando-me a todos.
Não perderei meu fôlego lançando farpas contra tuas estatísticas infundadas. Apenas derrubo teus números por terra, no silêncio da minha poesia. E sabe-se perdedor, por não poder comprar com teu ouro as minhas minas. Não tens meu olhar e sabes disso. Apenas aquieta-te e conforma-te em ver o mundo que lhe anuncio, pois é apenas ele que poderás medir. És infértil criador, analisas universos alheios pela incapacidade de criar os seus próprios. Mas o faço para ti, descanse. Desde que se ocupe apenas em mirar o cosmo, sem tentar risca-lo com teu lápis. Afogue-se em sua mediocridade, guardando para ti as tuas críticas. Elas não são bem vindas na incompletude de meus versos. Se os quisesse perfeitos e exatos, faria contas ou equações. Por querer-lhes falhos e lacunosos, faço versos.


11 de janeiro de 2008

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