quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Morte


Ana Graziela Cabral

A vida é um trôpego caminhar pelas fronteiras da morte. Marchamos de olhos fechados, sem destino até que caímos nalgum precipício e descobrimos que o mais grave que nos aconteceu foi abrirmos os olhos. O único mistério da existência humana é o véu que ostentamos sobre o olhar. Deposto este, já não há incompreensão alguma. Não há frio, não há fome, não há medo... não há matéria que possa manifestar seus sentidos ou influir sobre o ser.
Após nascermos para a morte, apenas nos restará ser o que somos; projetar o reflexo do que fomos noutra vida qualquer. Se prontos estivermos, tornaremo-nos ourives para os que se ofertam para serem moldados, entalhados. E para tal, valeremo-nos dos moldes do Ourives Mestre, tendo plena certeza de que optamos pela medida perfeita.
Aos que aguardam ser torneados, cabe o livre arbítrio de optarem pelo campo no qual desejam florir. Mérito esse que nem às cerejeiras, aos Ipês ou às orquídeas foi dado pelo Onipotente. Frondosas raízes só sustentam trocos dos que são guiados pela fé. A esses não se manifesta o temor, nem diante do mar em fúria, da fera acuada, do calor de trepidantes chamas. De grande fé se faz o amor, tal como, com um grande amor edifica-se a fé. Átomo este que, de tão indivisível, desaparece ao mais frágil sinal de discórdia.
Contraditório dizer que a junção dos mais tenazes sentimentos se torna ao mesmo tempo a mais sólida e mais delicada de todas que se tem notícia. Isso porque amor e fé transpõem outeiros, porém podem ser rompidos pelo mais ínfimo fio de rancor.
Estejamos, portanto, em guarda constante, para que nossa humana fraqueza não nos tire o deleite de contemplar os verdadeiros vãos da morte, posto que morrer é desvendar mistérios de uma vida inteira!

João Pinheiro, Janeiro de 2007

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