quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Morte em vida







Ana Graziela Cabral

Tem dias em que choro por nada e por tudo... sofro tudo de uma vez, para poder acordar e sorrir no dia seguinte na certeza de que as lágrimas secaram, ao menos por um tempo. Não aconteceu nada de espetacular hoje, nenhuma tragédia, nenhum infortúnio. Apenas abri mais uma vez os olhos à realidade de que “tem um anjo triste perto de mim”, como dizia Renato Russo. Mas isso é hoje, só hoje. Por isso, não se preocupe comigo, afinal, parafraseando mais uma vez o ídolo “quando tudo está perdido, sempre existe um caminho. Quando tudo está perdido, sempre existe uma luz”.
Às vezes eu abro os olhos e sinto que eles ainda estão fechados, como se um véu cobrisse uma verdade para a qual eu ainda não estou preparada. Como se eu estivesse trancafiada em uma redoma de vidro, que me traz uma ilusória segurança, uma falsa sensação de tranquilidade. Mas eu sei, bem lá no fundo eu sei, que o vidro que me cerca é o mal que me inibe, e não uma entidade benéfica que me protege. E isso sim, me dá medo. Isso me congela e paralisa. Não á a morte que assusta, mas o morrer em vida. Meu medo é passar pela vida, passar a vida, a vida passar. Porque a morte, essa que passe; afinal a morte é uma passagem, único mal irremediável. (Mal?) Certeza certa de algo incerto que nunca vivi. (Ou terei vivido?) Mas será possível viver a morte? Não sei! Só sei que o que mais se vive é morrer a vida, em vida.
Escrevo agora chorando. Meu coração aos pulos, pergunta-me porque escrever tudo isso. E eu só sei que não sei porque. É estranho pensar que a única coisa que espero de outra pessoa é que ela me ouça, me dê atenção. Eu nada mais peço. Acho que é por isso que tenho tão poucos grandes amigos, mas os que tenho são sim, grandes, imensos. Porque só o que eu peço é que me ouçam e não me critiquem por isso. E são raras, raríssimas as almas que se abrem a ouvir. Todos só querem falar. E isso machuca, desgasta. A confusão de vozes se aglomera no meu peito, se funde a minha própria voz e eu já não sei até onde sou eu.
Tenho um vazio dentro de mim, irreconstituível, que se alarga, aprofunda e enegrece um pouco a cada dia. Meu anjo me deixou órfã de seus conselhos, de seu sorriso. Hoje sou triste porque sei que quando eu voltar de férias ele não vai estar mais me esperando. E que quando eu novamente partir, ela não vai comigo até a rodoviária me ajudar a colocar as malas no ônibus (como tantas vezes o fez). E não mais irá dizer: “Se cuida!”, como se eu não soubesse que ela iria comigo aonde quer que eu fosse, cuidando de mim.
E é isso, a vida é uma porção de injustiças que nos movem e impulsionam até a hora da morte, na esperança de que finalmente a perfeição tão fortemente buscada se efetive; na esperança de que a dor não seja sentida e de que a saudade não exista mais. A vida ou as vidas, sejam elas quantas forem, só tem um sentido, um intuito imprescindível: nos mostrar os caminhos que para sempre seguiremos, nos galgar com os princípios que para sempre ostentaremos e nos unir a espíritos que para sempre amaremos. Sendo assim, guie Deus, os meus caminhos, presenteie-me com vossos princípios e ilumine minhas almas gêmeas por todo o sempre.
Sei que há luzes que iluminam os meus caminhos, e esses são sinais de que vivo, morrendo um pouco a cada dia, mas que não estou morta em vida, como temo.
Assim como as lágrimas, morrerei um dia, para que acorde e sinta que não morrerei nunca mais.

João Pinheiro, 15 de janeiro de 2007.

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