quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O tempo da minha felicidade


Ana Graziela Cabral

Houve um tempo, há muitos anos atrás, em que fui feliz. Minha vida passava por mim com uma irresponsabilidade insana. E eu, absorta em mim mesma, não conseguia perceber a felicidade que era minha.
Foi um tempo em que o relógio era apenas um objeto estranho que eu não conseguia compreender. Um tempo em que o dinheiro nada mais era, que um bônus, um agrado que o papai me dava raramente para comprar um doce. Tempo em que eu chorava por manha, certa de que o colo logo viria, com afagos de mãe para me consolar.
No tempo que foi meu, eu brincava com a terra e andava a cavalo queimando do sol. À noite, eu contava estrelas e via o vôo sereno dos aviões que deslizavam sublimes no céu. E aquilo para mim era felicidade; mas eu não sabia. Só descobri quando perdi essas pequenas grandes coisas.
Hoje vivo um tempo que não é meu, e sinto que junto com o meu tempo levaram, também, meu sorriso, minha alegria, meu amor. Mais que isso, levaram meu céu, minhas estrelas, e os carinhos de meu consolo. Vivo hoje um tempo forjado, usurpado.
No tempo que perdi, amei alguém que eu mal sabia que amava tanto. E com o tempo que perdi, se foi também o alguém que eu amava, e em seu lugar ficou o pranto, que hoje amarga e me faz ter certeza de que meu tempo acabou.
Do tempo que se foi o que mais me dói é a lembrança desse amor que amei como fosse o último, o único a que eu pudesse amar. E mais, me dói saber que ainda não o amei o suficiente, e que mesmo ainda o amando como eu o amo, não há mais tempo, já que o tempo de minha felicidade passou.
Que egoísta o tempo, por levar consigo tudo o que possuí, mas não me levar contigo. Deixou-me aqui, vazia, mas tão cheia de mim mesma; com tantos por perto, mas sozinha, em meio à vastidão do meu ser. Sórdido tempo, que continua passando, mas já não traz mais nada e me deixa a sós com o meu pior inimigo: comigo.

Patos de Minas, outubro de 2006

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